As palavras – e o silêncio – importam

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Por Andrea Vainer, Daniel Kignel, Daniel Zaclis, Daniel Bialski, Elaine Angel, Isador Fingermann, Joyce Roysen, Renata Kalin, Roberto Podval, e Sérgio Rosenthal

A negação do terrorismo de 7/10 e a imputação leviana de genocídio a Israel é mais uma opção político-ideológica que define a história de nosso povo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já definiu que há limitações à liberdade de expressão. Em 2003, durante o julgamento do Habeas Corpus n.º 82.424 – cujo paciente fora condenado criminalmente em razão da edição e distribuição de obras literárias de conteúdo antissemita –, a Corte decidiu que “o direito à livre expressão não pode abrigar (…) manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal”. Segundo o ministro Maurício Corrêa, relator do acórdão, na contraposição entre liberdade de expressão e limitação ao discurso de ódio, “o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito de incitação ao racismo”.

Não fosse pela conclusão do precedente no sentido de que nem tudo pode ser dito, escrito ou (agora) postado, a leitura do longo voto vale a pena porque já em 2003 reconheceu que a propagação de ideias antissemitas coloca em risco a pacífica convivência dos judeus no nosso país. Nos dias de hoje, postagens irresponsáveis sobre o pretenso papel de resistência dos grupos terroristas hamas e hezbollah (propositadamente grafados em letra minúscula), cujo objetivo é eliminar Israel e os judeus do mundo, são capazes de colocar em risco nossas vidas.

Fantasia? Exagero retórico? Não segundo o acórdão do STF, para quem “as grandes catástrofes da História só se tornaram tristes realidades diante do silêncio daqueles que tinham o dever de reagir, e não o fizeram”.

Silêncio. O silêncio retumbante de boa parte dos defensores de direitos humanos que nada disseram diante do repugnante ataque de 7 de outubro, quando cerca de 1.200 judeus foram mortos e outros 240 sequestrados pelos terroristas do hamas apenas por serem judeus. Mulheres foram brutalmente violentadas, mas apenas silêncio encontramos junto a muitas feministas. Silêncio que fere a todos os judeus, mas com muita força atinge a alma desse grupo de advogados criminalistas, tão conectados com a defesa dos direitos humanos.

Se silêncio importa, quando rompido, a escolha das palavras importa ainda mais. É preciso ir além de Mar Becker para reconhecer que devemos amar as palavras não apenas pelo que nelas se apaga, mas também temê-las pelo que nelas se registra.

A acusação de genocídio endereçada a Israel pelo governo da África do Sul, posteriormente chancelada pelo governo brasileiro na companhia de meia dúzia de ditaduras e autocracias do mundo, revela uma visão ideológica do conflito embebida em conceitos antissemitas.

Somos judias e judeus. Mas somos também advogadas e advogados criminalistas há algumas décadas. Para um operador do Direito Criminal, a intenção do agente importa tanto quanto as palavras importam aos corações. Sua vontade e seu vínculo subjetivo com a conduta no mundo exterior são determinantes para definir se uma conduta é criminosa e, sendo crime, como deve ser classificada.

O genocídio – conduta prevista como crime pelo Direito Internacional – pressupõe o assassinato, o dano à integridade física ou mental, a submissão a condições de existência precárias, o impedimento de novos nascimentos e a transferência forçada de pessoas com a intenção inequívoca de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

A afirmação de que Israel ataca a Faixa de Gaza com a intenção de destruir o povo palestino não é apenas fantasiosa, mas absolutamente divorciada da realidade. Os ataques são – vale lembrar – uma reação ao maior pogrom sofrido por judeus desde o final do Holocausto, patrocinado por um grupo terrorista que domina e subjuga – ele sim – o povo palestino, enquanto se esconde covardemente em túneis e instalações civis. As Forças de Defesa de Israel entraram na Faixa de Gaza em busca de 240 cidadãos israelenses que foram feitos reféns e em busca dos terroristas do hamas que ordenaram e executaram o plano – este sim de exterminar judeus.

Nada disso nos impede de lamentar profundamente os excessos, a morte de cada civil palestino, que, assim como os judeus, não queria o início da guerra. Mas chorar essa tragédia não autoriza a farsa antissemita da imputação de genocídio a Israel. Não há genocídio em Gaza e palavras importam. Cerca de 230 mil pessoas morreram na guerra civil da Síria e outras 370 mil no Iêmen e não se falou em genocídio. Estima-se que a Rússia já matou cerca de 70 mil pessoas na Ucrânia e tampouco se falou em genocídio. O que agora é diferente? Os judeus que buscam – na distorcida ótica de muitos – ocupar uma terra que não lhes pertence e nunca lhes pertenceu. Aqueles que buscam criminalizar Israel disfarçam-se sob o manto do antissionismo para defenderem ideias antissemitas sem que isso lhes impeça de dormir o sono dos justos.

A negação do terrorismo abjeto de 7 de outubro e a imputação leviana de genocídio a Israel é mais uma opção político-ideológica que define a história de nosso povo. É em defesa da correta aplicação da lei e da memória de nossos antepassados, que sucumbiram em pogroms passados e nas câmaras de gás nazistas, que seguiremos rompendo o silêncio.

Publicado originalmente no Estadão.com

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