Por Lilian Matsuura
Depois de tirar dos homens o predomínio estatístico, é cada vez mais comum advogadas encabeçarem importantes áreas do Direito e comandar equipes, sem falar da influência nos tribunais superiores e no Supremo Tribunal Federal. O país tem 603 mil advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. As mulheres representam hoje 50,5%: são 304.804.
A última edição do anuário Análise Advocacia reforça a mudança no perfil da categoria. Nos escritórios, 52% dos profissionais associados são mulheres. No entanto, os altos cargos ainda estão concentrados nas mãos dos homens. Entre os 27 advogados mais citados, apenas duas são mulheres: Silvia Zeigler, especialista em Direito Ambiental e do consumidor, sócia do escritório Zeigler e Mendonça de Barros Sociedade de Advogados e Maria Cristina Cescon, especialista em operações financeiras e contratos comerciais e sócia majoritária do escritório Souza, Cescon, Barrieu e Flesch Advogados.
Para maria Cristina, a afirmação das mulheres no mercado é uma questão de tempo. “Há 20 anos, quando comecei, a proporção não era a mesma. Na faculdade tinha muitas mulheres, mas elas não trabalhavam. Quando terminaram o curso decidiram seguir carreira pública. Das que se formaram comigo, apenas uma atua fortemente na área”, contou.
Para ela, atingir altas posições dentro da advocacia é uma questão de postura. A mulher, ensina, tem de se colocar de igual para igual, ter as mesmas ambições que os homens e se achar muito boa. Ela atribui esse comportamento à educação que recebeu em casa. “Meu pai é visionário. Apesar de ser italiano, sempre me ensinou que trabalho é fundamental. Meus pais não cobravam a minha presença em casa.”
Formada em 1989 pela PUC-SP, Maria Cristina tornou-se sócia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados aos 27 anos. Depois de muito tempo no gigante da advocacia brasileira, reuniu-se com outros colegas de firma e decidiram abrir o escritório do qual hoje é sócia. O Souza, Cescon existe há nove anos, mesma idade que os seus filhos gêmeos. “Foi uma fase bem complicada. Mas tudo o que você se propõe a fazer, dá tempo de fazer. Como meus filhos eram bebês naquela época, exigiam menos a minha presença do que agora, crescidos”, diz.
Na sua equipe, as mulheres são maioria. Entre os sócios, os homens predominam. Diferença entre o trabalho do homem e da mulher não existe, na opinião da advogada. “Eu trabalho com mulheres desorganizadas e rapazes super organizados”, desmistifica Maria Cristina.
Direito Penal Econômico
Joyce Roysen, depois de 11 anos trabalhando com Márcio Thomaz Bastos, decidiu abriu o seu próprio escritório. Aos 30 anos, achou que já estava preparada para seguir carreira solo e inovar na relação com o cliente. Escolheu a Avenida Faria Lima como endereço para o seu escritório. Naquela época, 1994, o centro de São Paulo era o reduto dos criminalistas.
A mudança, explica Joyce, serviu para estar mais perto dos clientes. Móveis escuros e tradicionais nunca entraram no escritório da advogada. Ela preferiu peças modernas, colocou uma porta de aço na entrada e pintou as paredes de amarelo e cinza. O seu visual também não era dos mais tradicionais. Um cliente chegou a comentar: “Venci meus preconceitos, doutora Joyce. Para mim, advogada tinha de ser senhora, com coque no cabelo, blusa de Poá e óculos fundo de garrafa”, recorda a criminalista, que usa vestidos e cabelo cumprido.
Hoje, não ouve mais esse tipo de comentário. Os contatos profissionais são praticamente só com o mundo masculino. Começou sozinha, com a ajuda de uma estagiária e uma secretária. Durante muitos anos, trabalhou só com mulheres. Atualmente, a butique especializada em Direito Penal Econômico tem oito advogados, três são homens.
Para ela, a sensibilidade é o que diferencia um profissional, seja homem ou mulher. Mas a mulher sai na frente, “porque tem uma sensibilidade nata”. “A causa penal extrapola as questões técnicas. Às vezes, a solução depende de criatividade, de inteligência emocional, não só de técnica”, explica, ao falar sobre a fragilidade presente nas pessoas que sofrem acusações penais.
Joyce lembra, entretanto, que para atingir o sucesso, a mulher tem que se sacrificar mais que os homens. Conciliar família e trabalho não é tarefa fácil. “Conciliar as duas realidades exige muito. Não é possível estar em Brasília em um julgamento e ao mesmo tempo na reunião de pais. É preciso abrir mão de algumas coisas e saber qual o caminho seguir.”
A advogada é casada há 22 anos e tem duas filhas, uma de 14 e outra de 15 anos. “Trabalhei grávida, foi um período de muito sacrifício”, conta. Logo que as meninas nasceram continuou no batente. “Tive que montar um esquema e contratar um staff para poder trabalhar em casa”, diz. Foi difícil porque na época não existia e-mail ainda.
Mulheres no comando
A filial do Rio de Janeiro do Leite, Tosto e Barros Advogados Associados é comandada por três sócias: Daniella Tavares, Gabriela Vieira e Bruna Maia. A equipe é focada nas áreas de fusões e aquisições e petróleo e gás.
Bruna trabalhava com Daniella no Demarest & Almeida. Quando Daniella recebeu o convite para se tornar sócia do Leite, Tosto decidiu levar Bruna para a equipe, que aos 30 anos também se tornou sócia da banca. Hoje, com 32 anos diz que aprendeu muito com colegas e clientes. Conversas e conselhos que a levaram ao cargo que ocupa hoje na profissão.
O sucesso, afirma, depende da qualidade do trabalho que apresenta, da agilidade, da ajuda que dá para os clientes estrangeiros entenderem a cultura do país, da dedicação. “Não causa mais estranhamento a presença de mulheres nas negociações. Quando comecei a frequentar os leilões da ANP [Agência Nacional de Petróleo], só tinha eu de mulher”, lembra Bruna, que é casada e tem gêmeos de três anos e meio.
Ela diz que há pressão social para que a mulher seja boa e esteja presente em todas as frentes: família, filhos, trabalho. “Esse é o grande dilema da mulher moderna”, entende. Mas defende que o papel dos homens também tem de mudar, para que eles se adaptem à nova realidade. Cuidar dos filhos, ir a reunião de pais na escola, cozinhar e trabalhar, assim como as mulheres, é o grande desafio para os homens.
Mulheres ministras
O Judiciário faz pouco tempo também se abriu para as mulheres. De 91 ministros do Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal, 13 são mulheres. A maior parte chegou pelas portas da própria magistratura ou do Ministério Público. Apenas três vieram da advocacia.
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, é a principal representante da advocacia no Judiciário. Foi procuradora-geral do Estado de Minas Gerais, de 1999 a 2002. Assumiu a cadeira no Supremo Tribunal Federal em junho de 2006.
Maria Thereza de Assis Moura chegou ao Superior Tribunal de Justiça aos 50 anos. Integrante da 6ª Turma, especializada em questões criminais, é conhecida como garantista. Gosta de privilegiar os direitos do cidadão contra a persecução penal do Estado.
A ministra Maria Elizabeth Rocha vai completar em março quatro anos no Superior Tribunal Militar. Foi a primeira e única mulher a chegar ao STM. Procuradora federal concursada, nunca gostou de ir ao fórum e participar de audiências. Sentia-se realizada profissionalmente com a elaboração de pareceres para a União. Cedida para o Congresso Nacional, atuou na liderança do PT. “Foi ali que eu conheci os parlamentares do partido e foi o que, de certa maneira, me abriu as portas para ir para a Casa Civil”, explica sobre o convite para atuar na subchefia para assuntos jurídicos, ao lado de José Antonio Dias Toffoli, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal, e na época subchefe da Casa Civil.
A dedicação ao trabalho feito junto ao Legislativo e ao Executivo, aliada ao seu currículo de professora de Direito Constitucional e pós-doutoranda na Universidade Clássica de Lisboa, a levaram ao Superior Tribunal Militar, aos 47 anos.
Publicado originalmente no Consultor Jurídico.