A revista Veja São Paulo trouxe em sua última edição um perfil com os principais advogados que atuam na defesa de envolvidos na operação “lava jato”. Em matéria assinada pelo jornalista Daniel Bergamasco, a revista demonstra como a operação movimenta os escritórios de São Paulo. “Com as investigações do mega esquema de corrupção que envolve a Petrobras, nunca tantos criminalistas faixas-pretas tiveram tanto trabalho (nem faturaram tanto em um mesmo caso). Quanto mais a lama vai aumentando, mais fértil fica o terreno desses profissionais em termos de visibilidade e ampliação de honorários”, diz a reportagem.
O texto contabiliza cerca de 30 bancas atuando na defesa dos investigados e estima que, juntas, elas estejam movimento cerca de R$ 70 milhões na fase inicial. Na defesa dos suspeitos do petrolão, há desde Luiz Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo e responsável pelo tesoureiro petista João Vaccari Neto, até o escritório Pinheiro Neto, empresa que tem cerca de 330 advogados. Também trabalham escritórios do ramo cível, que atuam, por exemplo, em renegociação de acordo com credores.
A reportagem destaca a atuação do criminalista Márcio Thomaz Bastos, morto em novembro, que coordenava as defesas da Odebrecht e Camargo Corrêa. A revista aponta que o advogado cobrava cerca de R$ 15 milhões por um único caso do tipo. As cifras se justificavam pela sua competência como jurista, além da atuação como ministro da Justiça entre 2003 e 2007, tendo sido responsável pela reestruturação da Polícia Federal para atuar em casos grandiosos. “Com sua partida, não restou substituto à altura da influência nem dos cachês”, afirma a revista.
Agora, principais advogados recebem cerca de R$ 3 milhões e R$ 5 milhões — cerca de metade é paga nos primeiros meses. Os valores são calculados com base no tempo de dedicação e complexidade do caso. “Falam dos ganhos, mas a verdade é que um processo desses pode levar mais de dez anos de trabalho”, diz Dora Cavalcanti, que dedica atualmente 80% da sua agenda às denúncias sobre a Odebrecht.
O trabalho vai além da sustentação de teses e também envolve o cuidado com a imagem dos clientes. A revista cita o exemplo da advogada Joyce Roysen ao apresentar Adarico Negromonte (acusado de transportar propina, irmão de Mário Negromonte, ex -ministro das Cidades). “Para evitar a constrangedora cena de Adarico sendo levado algemado ao prédio, Joyce combinou com os agentes que os avisaria quando chegasse com ele a um hotel curitibano para que o buscassem. Puro blefe. No mesmo horário acertado, ela surpreendeu ao surgir carregando o cliente pelo braço para a carceragem da PF pela porta da frente”, relata a revista. Adarico acabou sendo solto cinco dias depois.
Também há preocupação dos investigados com suas carreiras profissionais e dos reflexos que os desdobramentos podem ter no âmbito pessoal. “Vi umas três ou quatro vezes a amante ser descoberta pela mulher que teve acesso à transcrição do áudio de um grampo da Justiça”, contou Maíra Salomi, que era a única sócia de Thomaz Bastos, à reportagem. Os alvos das escutas, presos ou não, costumam ser consultados antes do compartilhamento das transcrições com a família.
Os defensores também criticam as prisões decretadas pelo juiz Sergio Moro. “É algo excessivo, sem necessidade”, afirmou Augusto de Arruda Botelho à reportagem. Botelho é presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), que luta pelo respeito às boas práticas processuais e melhor compreensão do que fazem. “As pessoas ficam revoltadas ao ver personagens de escândalo defendidos legitimamente, mas, quando são acusadas de alguma coisa, elas vão atrás dos melhores profissionais do direito criminal”, continua Botelho.
Membros do instituto discordam, por exemplo, da polêmica criada em relação ao encontro que alguns deles tiveram com o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. “Fomos reclamar sobre o vazamento de informações sigilosas do processo”, explica Dora Cavalcanti, que negou ter ouvido de Cardozo dados privilegiados. O criminalista Celso Vilardi afirma que os casos com repercussão na imprensa são difíceis, “pois o Judiciário acaba pressionado pela opinião pública, o que cria situações desproporcionais, como se alguém não tivesse direito à defesa”. Vilardi representa João Ricardo Auler, presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa.
A revista também destaca a atuação do criminalista Pierpaolo Bottini, colunista da ConJur e ex-secretário de Reforma do Judiciário. Ele atua na defesa de dois executivos da Camargo Corrêa, o presidente, Dalton Avancini, e o vice, Eduardo Leite, que também fecharam acordos de delação premiada. “Aos 38 anos, ele é um dos ascendentes do ramo. Docente da USP, onde se graduou e fez doutorado, é considerado um dos melhores oradores da turma”, descreve a reportagem. Pai adotivo de uma criança negra, Bottini relata que só se recusaria a trabalhar por alguém que praticou injúria racial, “por questões familiares”.
A relação cordial entre criminalistas e novatos é destacada pela revista: “Thomaz Bastos era uma espécie de coordenador-geral do segmento — chegou a repassar clientes aos concorrentes. O veterano Alberto Toron, de 56 anos, defensor da construtora UTC, também se dá bem com a maioria”. O texto também destaca o comportamento “explosivo” de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira. Ele vê com ressalvas a mudança do perfil dos criminalistas, que até a década de 90 tinham sua elite voltada para casos mais comuns, como homicídio. “O Direito Penal se tornou rentável nos últimos anos, mas perdeu o romantismo. Os jovens estão muito preocupados com dinheiro e projeção”, diz. “Com tanto foco empresarial, ficam distantes da realidade. Eu mesmo era um burguês criado em uma redoma e me humanizei no mundo dos júris e prisões estaduais”.
Os endereços dos escritórios também mudaram. Com a mudança gradual de foco dos profissionais de Direito Penal, a partir da Lei do Colarinho Branco, que regulou crimes contra o sistema financeiro em 1986, os eixos empresariais modernos, como a Avenida Paulista, tornaram-se atraentes. Na Avenida Faria Lima, fica o escritório que era de Márcio Thomaz Bastos. A única sócia, Maíra Salomi (ela foi sua estagiária no passado e tem cota de 5%), prepara-se para se mudar para a Alameda Itu, levando clientes importantes, como o Banco Rural.
Um dos escritórios que resistem na região central de São Paulo é o de José Luis de Oliveira Lima, conhecido como Juca, que já atuou na defesa do ex-ministro José Dirceu, dos banqueiros Salvatore Cacciola e Daniel Dantas e o ex-médico Roger Abdelmassih. Mas, apesar dos casos ruidosos, Oliveira Lima é considerado o mais discreto do grupo de grandes criminalistas — “Às vésperas do Carnaval, estava no ensaio da escola de samba Vai-Vai, sua cliente, quando surgiu ali o ministro Joaquim Barbosa”, conta a revista. “No momento em que os ilustres presentes foram chamados ao palco, Juca havia saído à francesa, para evitar a constrangedora foto dos antagonistas de corte caindo juntos no samba”.
Delação premiada
A advogada Beatriz Catta Preta é figura dissonante no meio. Ela representou clientes como Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras — agora representado por João Mestieri —, e Júlio Camargo, ligado ao grupo Toyo Setal, atuando em nove dos 15 depoimentos de delação premiada na “lava jato”. Quase todos os colegas são contrários ao mecanismo. “Minha visão sobre ela é a pior possível”, diz Arruda Botelho.“Não é uma advogada. O que ela faz é abrir mão de direitos dos clientes. É uma negociadora”, diz.
A advogada Beatriz, pós graduada em Direito Penal Empresarial pela Fundação Getulio Vargas, enfatiza que o recurso é legítimo. “Vejo como uma opção a quem responde a uma ação, uma vez que há possibilidade até mesmo da concessão do perdão judicial”, avalia. “É uma decisão personalíssima do investigado,que, juntamente com a família, avalia os reflexos desse caminho em sua vida pessoal e profissional”, disse à Veja São Paulo.
A reportagem conclui que alguns criminalistas podem passar por uma saia justa. “Parlamentares podem bater à porta dos mesmos escritórios que já cuidam da defesa dos empresários das construtoras. Como uma das estratégias de defesa dos executivos é dizer que pagaram propina aos políticos para não comprometer a sobrevivência dos negócios de suas companhias, não haveria aí um grave problema de ética dos criminalistas?”, questiona a reportagem. “Se um não tem nenhum envolvimento com o outro, pode não haver problema”, diz Vilardi.
Publicado originalmente no Consultor Jurídico.