Por Gláucia Milício
A prisão preventiva da empresária Eliana Tranchesi, uma das proprietárias da megabutique Daslu, e mais seis pessoas na manhã desta quinta-feira (26/3) pode ser mais um caso de desrepeito à decisão do Supremo Tribunal Federal. O STF decidiu, em fevereiro, que o réu só pode ser preso depois que a condenção transitar em julgado ou em exceções que justifiquem a prisão preventiva. Segundo advogados criminalistas, essa exceção não acontece no caso da Daslu porque os réus estavam respondendo ao processo em liberdade e não havia nenhum motivo que justificasse a preventiva.
Não foi, no entanto, o que entendeu a juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara da Justiça Federal em Guarulhos (SP). Na quarta-feira (25/3), ela condenou Eliana a 94 anos de prisão e os outros réus a penas que variam de 20 a 94 anos. Determinou que todos fossem presos imediatamente. A ordem foi cumprida na manhã desta quinta.
Na sentença condenatória, a juíza chegou a citar decisão do Supremo Tribunal Federal de que um condenado só poderá ser preso com o processo transitado em julgado, mas registrou que este processo se tratava de um caso diferente. Para ela, as prisões, neste caso, não violam a presunção de inocência, pois existe uma sentença condenatória, no caso a sua, que aponta todos os motivos das prisões preventivas. “Eventuais condições subjetivas favoráveis dos condenados, tais como primariedade, bons antecedentes e residência fixa por si só, não obstam a segregação cautelar, se há nos autos elementos hábeis a recomendar a sua manutenção.”
Os motivos da prisão preventiva, explicados em quase 20 das 542 páginas da sentença, vão desde a possibilidade de os réus fugirem até a periculosidade em razão das altas quantias movimentadas ilegamente por eles. Eliana Tranchesi, uma das perigosas com risco de fuga, segundo a juíza, hoje passa por um tratamento de quimioterapia para tratar um câncer no pulmão.
Na sua sentença (leia abaixo) com índice e organizada em tópicos, Maria Isabel afirma que os réus praticam crime “como verdadeiro modo de vida” e são “literalmente profissionais do crime”. Ela nomeia a peça de Operação Narciso, nome de batismo da operação deflagrada em 2005 e da qual é resultado. Esquece-se da recomendação do Conselho Nacional de Justiça para que os juízes não usem o nome de batismo das operações nos processos judiciais para evitar o marketing dessas ações. Aqui vale lembrar que a recomendação não é de cumprimento obrigatório.
Para a juíza, as prisões são essenciais para garantir a ordem pública, pois trata-se de organização criminosa “que não interrompeu as atividades mesmo depois de iniciado o processo”. Segundo Maria Isabel, a organização criminosa possui braços no estrangeiro, o que facilita a fulga. Some-se a isso o fato de Eliana ter viajado 17 vezes ao exterior durante instrução penal, o que significa uma facilidade de fuga, no entendimento da juíza.
“A prisão cautelar ora imposta aos condenados, concretamente justificada no resguardo da ordem pública e para garantia da aplicação da lei penal, tem por escopo, portanto, prevenir a reprodução de novos fatos criminosos e acautelar o meio social, retirando do convívio da comunidade aqueles que demonstram ser dotados de intensa periculosidade, consubstanciada no modus operandi, na habitualidade das condutas e, como no caso em exame, de reiteração delituosa por poderosa organização criminosa.”
A juiz destaca que, “caso os réus venham a permanecer em liberdade, especialmente neste momento processual, haverá um forte sentimento negativo de insegurança, de impunidade por parte de toda a sociedade, havendo, indubitavelmente um forte abalo à ordem pública”.
Desrespeito judicial
Advogados criminalistas ouvidos pela Consultor Jurídico tomaram a decisão de Maria Isabel do Prado como um desrespeito à autoridade do STF. Alberto Zacharias Toron considerou a prisão da empresária uma violência inominável. “Ela estava em liberdade durante todo o transcurso do processo, compareceu a todos os atos processuais e nunca causou nenhum tipo de embaraço para as testemunhas”, disse.
Para Toron, as prisões não têm nenhuma natureza cautelar e se tratam de um castigo antecipado que o Supremo Tribunal Federal, em dezenas de manifestações, tem repudiado. “Juiz que violenta a lei, a Constituição e afronta jurisprudência de corte superior tem de responder por isso.”
Outro advogado bastante respeitado entre os criminalistas, que preferiu ter seu nome preservado, também considerou a prisão uma clara afronta à decisão do STF. Ele contou que o mandado de prisão dizia “conforme sentença cuja cópia é anexada ao presente, mas não havia cópia alguma. Os réus não souberam nem qual foi a pena”. Para ele, a decisão é um absurdo jurídico e um ato de crueldade.
O presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso, também reclamou da prisão preventiva de Eliana Tranchesi. “Independente do mérito do caso, a prisão só deve ocorrer depois da sentença penal definitiva. A lei contempla exceções que não dizem respeito à culpa, mas visam o interesse do processo. No caso em questão, a prisão da empresária nos causa estranheza porque não me parece se enquadrar nos critérios de exceção previstos para uma prisão antecipada.”
Em nota, a advogada de defesa da empresária, Joyce Roysen, afirmou que considera a sentença absolutamente injusta e desprovida de racionalidade. “Lamentamos que as pressões exercidas pela acusação desde o início do processo tenham obtido êxito em induzir um julgamento errôneo.” Joyce Roysen vai pedir Habeas Corpus ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região e apontar os problemas de saúde pelos quais passa a sua cliente. Clique aqui para ver a nota da advogada.
Joyce também divulgou para a imprensa bilhete mandado por Eliana Tranchesi, em que a empresária afirma não ver sentido em ser presa novamente, pois não oferece risco para a sociedade. “Neste momento, meu coração está com meus filhos. Penso neles todo o tempo e me questiono se era necessário mais um sofrimento em seu coração. Quanto à Daslu, tenho muita esperança, muita determinação e muitos sonhos. Sonhos que a minha equipe comprometida e competente vai ajudar a realizar”, escreveu. Clique aqui para ler o bilhete.
Eliana Tranchesi, foi condenada a 94 anos de prisão e 180 dias-multa de cinco salários mínimos pelos crimes de formação de quadrilha, descaminho (fraude em importações) e falsificação de documentos. O seu irmão e ex-diretor financeiro da Daslu Antônio Carlos Piva de Albuquerque também foi punido com a mesma pena. Além dos dois, foram condenados Celso de Lima, a 53,6 anos de prisão; André de Moura, a 25,6 anos de prisão; Rodrigo Nardy Figueiredo, a 11,6 anos de prisão; Roberto Fakhouri Junior, a 11,6 anos de prisão; e Christian Polo, a 14 anos de prisão.
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Publicado originalmente no Consultor Jurídico.